quarta-feira, 15 de março de 2023

Processo Intermitente - As crises de Felipe Prasino (2022). Obs:. 3° livro de Felipe Prasino.

Cor: Azul

Símbolo matemático: Divisão

Temas: Crise, tristeza, desânimo, ruptura, falta, incompatibilidade, queda, infelicidade, filtragem, quebra, reparação, relato, instantaneidade, tempo, cansaço

Data aproximada de escrita: início de maio a novembro de 2022


1. Intermitente


Tô achando tudo tão chato

O povo vivendo um modo estereotipado

Será que eu tô sendo ingrato?

Com a vida que parece um fardo


O tempo que hoje é preemente

Cada dia inventam mais tecnologia

A sociedade está dormente

Se lixando pra sua biografia


Sim, estou intermitente

Sim, estou um pouco ausente

Sim, a vida que se sente

Sim, o amor que não se mente


Sim, estou intermitente

Sim, estou talvez presente

Sim, a lida que se tente

Sim, o amor que não se invente


Tô achando tudo tão parado

Sinto muita falta da dignidade

Será que eu tô sendo errado?

Quando não expulso essa maldade


A iniquidade é difusa

Todo dia aumenta esse horror

A verdade está confusa

Discutindo o seu próprio valor


Sim, estou intermitente

Sim, estou um pouco ausente

Sim, a vida que se sente

Sim, o amor que não se mente


Sim, estou intermitente

Sim, estou talvez presente

Sim, a lida que se tente

Sim, o amor que não se invente


Intermitente


2. Monólogo antes de dormir


Eu sei que inventar algo novo é totalmente impossível na atualidade.

Romper com os modelos já construídos e consagrados pela inerte sociedade.

Como posso preencher o vazio deixado por essa ruptura?

Sinto que me despedacei em milhões de pedaços.

Não poderei mais retornar ao estado anterior da mesmice cotidiana.

Essa sensação de que o mundo está cada dia mais chato.

Ter que lidar com o vazio em uma era que deveria ser cheia de possibilidades. 

A falsidade vigente impede a captação verdadeira da essência particular. 


Será que consigo passar por esses processos existenciais?

Talvez o melhor seja se acautelar e deixar o tempo trazer as devidas respostas.


3. Falta


A falta é um fato

Um fato pra mim

Talvez um extrato

O extrato do fim 


A falta é uma carência

Um carência enfim

Decerto a ausência

A ausência do sim 


A falta é uma projeção

Uma projeção da necessidade

Talvez uma rejeição

A rejeição da pessoalidade 


A falta é uma limitação

Uma limitação da possibilidade

Decerto uma aspiração

A aspiração da mediocridade 


A falta

Exalta

Maltrata

Faz falta 


A falta

Distrata

Retrata

Faz falta


4. Incompatível


Aquilo que você quer

Você não pode ter

Aquilo que eu quero ter

Eu não posso ter 


Não posso ter

Não pode ter

Pra que sofrer?

Se o que queremos é...


Incompatível

Inconcebível

Insuscetível

Irredutível 


Incompatível

Irresistível

Indescritível

Imprescritível 


Aquilo que você quer ser

Você não pode ser

Aquilo que eu quero ser

Eu não posso ser 


Não posso ser

Não pode ser

Pra que sofrer?

Se o que queremos é...


Incompatível

Inconcebível

Insuscetível

Irredutível


Incompatível

Irresistível

Indescritível

Imprescritível



5. Afundando


Afundando, cada vez mais

Me arriscando, cada vez mais

Me afastando, cada vez mais

Maltratando


Eu sei que estou me afundando

Eu sei que estou arriscando

Eu seu que estou afastando

Eu sei que estou me maltratando


No meio dessa loucura, eu vejo que...


Tá todo mundo meio vazio

Tá todo mundo meio carente

E eu, cada dia mais me afundando

Nesse mundo inconsequente


Tá todo mundo meio ansioso

Tá todo mundo meio doente

E eu, cada dia mais me afundando

Nessa vida incongruente


Afundando

Arriscando

Afastando

Maltratando


Afundando


6. Manifesto da Infelicidade


Este é o Manifesto da Infelicidade.

A felicidade foi enterrada pela sociedade contemporânea.

É chegada uma nova era para a indecisa humanidade.

Os infelizes poderão exercer sua infelicidade sem repressões alheias.


Infelizes de todo o planeta Terra poderão ser infelizes sem medo.

A Felicidade foi uma construção conveniente para a ilusão da humanidade.

É o momento dos infelizes mostrarem toda a hipocrisia dessa instituição falida.

Os infelizes deverão mostrar que não se pode ser feliz por muito tempo nesse mundo de terríveis desgraças.


Infelizes, sejam infelizes.

Cada dia mais infelizes.

Até a Infelicidade se tornar insuportável.

Aí teremos que inventar outra Infelicidade.


7. Processo


Processo

Relevo

Não digo

Que te clamo


Processo

Espero

Não sinto

Que te chamo


Processo, tradicional

Início, com um meio, com um fim

Processo, disfuncional

Início, talvez um meio, sem um fim


Processo, intermitente

Necessidade da instabilidade

Processo, inconsequente

Falta da própria realidade


Processo

Flagelo

Não penso

Que te amo


Processo

Anseio

Não lembro

Que te estranho


Processo, tradicional

Início, com um meio, com um fim

Processo, disfuncional

Início, talvez um meio, sem um fim


Processo, intermitente

Necessidade da instabilidade

Processo, inconsequente

Falta da própria realidade


Processo


8. Peneiro


Peneiro daqui

Peneiro acolá

Peneiro espelhos

Tentando me amar


Peneiro daqui

Peneiro acolá

Peneiro histórias

Tentando me achar


Peneiro daqui 

Peneiro acolá

Peneiro amores

Que não vão rolar


Peneiro daqui

Peneiro acolá

Peneiro temores

Que não vão passar


Peneiro areias

Pessoas, sentimentos

Todo o tempo, todo o espaço

Movimentos, um processo salutar


Peneiro expressões

Essências, conhecimentos

Toda a ideia, toda o opaco

Experimentos, uma intermitência exemplar


Peneiro todo dia, pra tentar separar

Separar a impureza, que insiste em ficar


Peneiro todo dia, pra tentar esquecer

Esquecer a solidão, que insiste em sofrer


9. Pratos


Estou quebrando pratos

Pratos de muitas eras

Estou quebrando fatos

Fatos de muitas feras


Estou quebrando pratos

Pratos de muitos insanos

Estou quebrando gratos

Gratos de muitos danos


Eu quebrando pratos

Pratos do inconsciente

Estou quebrando autos

Autos de muita gente


Estou quebrando pratos

Pratos da inconsequência

Estou quebrando chatos

Chatos de muita ausência


Eu preciso quebrar esses pratos

Esmigalhá-los nas minhas mãos

Esmigalhá-los até se tornarem pó

Só assim conseguirei ter um pouco de paz


Eu preciso quebrar esses pratos

Não me importo que seja uma tarefa contínua

Eu preciso urgentemente quebrar esses pratos

Se eu não quebrar esses pratos eles me quebrarão sem dó


Estou quebrando pratos

Não se preocupe se eu não quebrar alguns pratos agora

Eu vou quebrar esses pratos na hora certa

Há muitos pratos a serem quebrados no mundo


10. Versos Reparadores


Reparem

Não calem

Exalem

Reparem


Reparem

Não falhem

Espalhem

Reparem


Reparem versos! Reparem!


Esses versos são reparadores

Reparadores de todas as situações desagradáveis

Reparadores de todas as atitudes que causaram algum dano

Reparadores de muitas feridas que ainda não cicatrizaram


Esses versos são reparadores

Reparadores de todas as histórias negligenciadas ao longo da história da humanidade

Reparadores de todo o sofrimento provocado pela ação humana

Reparadores de toda a prepotência humana de atingir o poder a custa da vida dos seres humanos, animais e de toda a natureza


Esses versos são reparadores

Mas também são versos transcendentes

São versos que ultrapassam as coisas materiais e banais

São versos que ligam um passado sofrido, um presente questionador e um futuro de possibilidades melhores


Reparar é mais que restaurar

É possibilitar um novo recomeço

Um recomeço sem amarras


Reparar é uma forma de respeitar

O respeito é sempre bem-vindo

É uma condição importante da vida


Reparem versos, reparem cada vez mais

Reparar é um ato de amor

Um amor que não se limita


Reparem versos, eu peço, por favor, reparem

Somente reparando o ser humano vai aprender a importância desse ato

Um ato essencial para a vida na Terra


Reparem

Não calem

Exalem

Reparem


Reparem

Não falhem

Espalhem

Reparem

Reparem versos! Reparem!


11. Carta-relato


Oi, tudo bem?

Essa carta-relato é para você

Você achou que eu tinha te esquecido?


Eu espero que um dia você possa ter a alegria

A alegria de poder ser quem você realmente é


Eu espero quem um dia você deixe essa vida de mentiras

De mentiras que te machucam e te impedem de conhecer seu verdadeiro eu


Quando eu me descobri, era tudo hipocrisia

Achava que o mundo era vida que eu levava

Mas naquela queda eu percebi, sobretudo eu já sentia

Que o castelo de areia já estava desabando


O primeiro andar desabou aos 16

Cadê todo suporte? Tô no fim da adolescência

Mudança de cidade, mudança de comportamento

Comecei a faculdade, imagina o tormento


O segundo andar desabou aos 20

Como suportar a sociedade? Tô só a revolta

Mudança de mentalidade, uma nova consciência

Tive uma epifania, aumentou minha confusão


O terceiro andar desabou aos 22

Como encarar a ociosidade? Tô me sentindo muito vazio

Mudança de personalidade, o surgimento do pessimismo

Me afastei de tudo, enxerguei muita coisa


O quarto andar pode desabar aos 25 ou 26

Como aguentar essa falsidade? Tô cada diz mais cansado

Mudança de afinidade, a decepção com os seres humanos

Busquei alteridade, encontrei futilidade


Enfim, existem muitos andares para desabar


Essa carta-relato foi para você

Espero que você tenha apreciado

Estou esperando a sua resposta em forma de carta-relato


12. Instantâneo


Não gostei

Passei pro próximo

Me irritei

Bloqueei sem dó


Não gostei

Faltou a beleza

Me decepcionei

Era um perfil falso


Me desapeguei

Tenho muitas opções

Já fui ignorado

Quebrei a cara e continuei


Me apaixonei

Era tudo cilada

Desviei do golpe

Percebi a enganação


Hoje tudo é instantâneo

Se começou vai terminar

O mundo todo em simultâneo

Na ansiedade sem melhorar


Hoje tudo é instantâneo

Se não agradou vai descartar

O povo todo é conterrâneo

De um consumismo sem cessar


Instantâneo

Simultâneo

Conterrâneo


Instantâneo

Simultâneo

Conterrâneo


Instantâneo


13. Tenho tempos para mim


O tempo para mim é estranho

As vezes não sinto seu efeito

O tempo para mim é um ganho

Numa vida que só tem mais defeito


O tempo para mim passa devagar

Sinto a necessidade da rapidez

O tempo para mim passa depressa

Desejo a existência da tepidez


Tenho tempos para mim

Mas muitos não têm esses tempos

Os meus tempos fazem assim

Vão criando meus intentos


Tenho tempos para mim

Mas muitos não ouvem esses tempos

Os meus tempos mudam sim

Vão trazendo meus inventos


Tenho tempos para mim

Mas muitos não expressam esses tempos

Os meus tempos traduzem enfim

Vão melhorando meus talentos


Tenho tempos para mim

Mas muitos não questionam esses tempos

Os meus tempos pedem em mim

Vão mudando meus sustentos


Tenho tempos para mim


14. Cansei


Quem deveria me apoiar não me apoiou

Quem deveria me negar não me negou

Quem deveria me ajudou não me ajudou

Quem deveria me evitar não me evitou


Quem deveria me abraçar não me abraçou

Quem deveria me criticar não me criticou

Quem deveria me motivar não me motivou

Quem deveria me excluir não me excluiu


Cansei dessa falta empatia

Bela máscara da hipocrisia

Indiferente a tudo que eu sofria

A tranquilidade que eu queria


Cansei dessa falsa alteridade

Bom pretexto pra maldade

Persistente em toda a hostilidade

Eu queria mais sinceridade


Cansei, vivo minha vida sem ligar para essa falsidade que a cada dia cresce mais

Vou vivendo minha vida de acordo com minhas convicções pessoais

Tenho a impressão que os resultados dessas ações serão letais

Não me sustento em vaidades humanas que são banais


Cansei, se o mundo quiser ele pode se lascar 

Não vou ficar evitando mais um outro atacar

Tenho muita noção que tentei sempre melhorar

Não me apego a humanidade que insiste em piorar


Cansei


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