sexta-feira, 20 de junho de 2025

Outros lados - As vontades de Felipe Prasino (2025). Obs:. 18° livro de Felipe Prasino.

Cor: Cáqui


Símbolo matemático: Pertence


Temas: Faces, televisões, sapatos, inseguranças, pares, dicionários, anseios, interpretações, ímpetos, costuras, rotinas, desconfianças, loucuras, catálogos, otimizações, partes

Data aproximada de escrita: abril e maio de 2025


1. Minhas unhas


Queria que escondesse minhas unhas

Mas não adiantou


Você propôs a mentira

De certo modo concordei

Porém sabia da fraqueza

E assim não a mantive


Você propôs a repressão

De certo modo de vida

Porém sabia da energia

E assim a rechaçei


Minhas unhas


Você quis esconder meus lados

Todo traço que irritava a maioria

Tive que esconder minhas unhas

Isso só provocou muita agonia


Você quis esconder meus lados

Toda ideia que não seguia a hipocrisia

Agora decidi revelar minhas unhas

Isso só aumentou minha ousadia


Minhas unhas


Não estou aqui para fazer vontades alheias

Tenho minha consciência que pergunta

Se a mentira é a base do sofrimento

Compensa pagar o preço da permuta?


Não estou aqui para escrever ódios alheios

Tenho minha experiência que ensina

Se a revolta é peso da desigualdade

Compensa atiçar o aumento da ruína?


Minhas unhas


Me resta mostrar minhas unhas

Mostre as suas garras assim

Se não consegue as sustentar

Passe as estudá-las também


Me resta aceitar minhas unhas

Aceite as suas garras assim

Se não consegue as aparar

Passe as aceitá-las também


Minhas unhas


Queria que escondesse minhas unhas

Mas não adiantou


2. Sintonia constante


Ligo a TV

Busco canais

A falta de algum

Me leva a indagar


Desligo a TV

Dispenso canais

A chegada de algum

Me leva a esperar


Sintonia constante


Autorizações, outorgas

Canais analógicos, digitais

Canais parabólicos, locais

Sinais via fibras, cabos


Antenas externas, internas

Controles, suportes

Recursos, manuais

Tecnologias, regiões

Sintonia constantes


O universo dos canais

Redes, canais regionais

Religiosos, educativos

Conhecidos, desconhecidos


O mistério dos canais

Programações, mudanças

Retornos, cancelamentos

Assistidos, ignorados


Sintonia constante


A consolidação da era digital

A TV Digital em todas as renovações

A utilidade da TV enquanto instrumento

A TV Digital em todas as inovações


A renovação da era digital

A TV Digital em todos os anseios

A capacidade da TV enquanto inspiração

A TV Digital em todos os torneios


Sintonia constante


A TV inteligente tem limite de interação?

A tela tem limite de polegada?


A TV inteligente tem limite de público?

A tela tem limite de qualidade?


Sintonia constante


Ligo a TV

Reconheço canais

A falha de algum

Me leva a indagar


Desligo a TV

Acolho canais

A partida de algum

Me leva a esperar


Sintonia constante


3. Sapatos, sapatos


Sapatos, sapatos

Quero sapatos

Sapatos, sapatos

Compro sapatos


Sapatos, sapatos

Procuro sapatos

Sapatos, sapatos

Guardo sapatos


Sapatos, sapatos


Sapatos com tantos estilos

Country, urbano, social

Sapatos com tantas texturas

Nobuck, liso, camurça


Sapatos com tantos tons

Preto, amarelo, marrom

Sapatos com tantas alturas

Baixo, médio, alto


Sapatos, sapatos


Trocarei os sapatos?

Limparei os sapatos?

Desenharei os sapatos?

Fabricarei os sapatos?


Olharei mais sapatos?

Suprirei minha carência?

Calçarei mais sapatos?

Exibirei minha potência?


Sapatos, sapatos


Sapatos são identidade

Será que eu só tenho uma?

Sapatos trazem novidade

Será que eu aprovo toda?


Sapatos são experiência

Será que eu só quero uma?

Sapatos trazem tendência

Será que eu alcanço toda?


Sapatos, sapatos


4. Reticente comigo


De uns anos pra cá

Tive, tenho, a reticência comigo


Vou me assustar?

Vou, quem sabe, provocar?

A sua reticência comigo


Vou me aconselhar?

Vou, quem sabe, revelar?

A sua reticência comigo


Reticente comigo


Percebo o lugar que ocupo na sua vida

Que eu sou lembrado na sua solidão

Liberando o sentimento que eu esculpia

Resguardo a grande pedra do respeito


Percebo a fala que escuto da sua lida

Que eu sou afastado da sua afeição

Afagando a frustração que eu reerguia

Aguardo a grande poeira do desprezo


Reticente comigo


O fruto da minha condição te incomoda?

Não vale minha ação correta contigo?

Quando não suportar a festa, falsa

Poderá se aproximar de mim?


O vício da minha opinião te apavora?

Não cabe minha ideia incerta comigo?

Quando não agradar o topo, tosco

Poderá se distanciar de mim?


Reticente comigo


Eu, comigo, construo a reticência

É uma ferida que sou levado a lavar

Não curto tratamentos descabidos

O vestígio permanece longamente


Eu, comigo, costuro a reticência

É uma torcida que sou levado a trocar

Não curto exageros escondidos

O desejo desaparece furtivamente


Reticente comigo


De agora para frente

Tenho, terei, a reticência comigo


5. Pares


Pares

Lugares pares

Horas pares

Datas pares


Pares

Elementos pares

Mundos pares

Frases pares


Pares


Os pares em números romanos

Indo-arábicos, veteranos


Os pares em metas literárias

Musicais, temporárias


Pares


Pares

Cores pares

Sons pares

Estilos pares


Pares

Pessoas pares

Casas pares

Obras pares


Pares


Os pares em coleções

Capítulos, tratados


Os pares em trocados

Tributos, canções


Pares


Exagero por pares?

Admiração por pares?


Cansaço por ímpares?

Antipatia por ímpares?


Pares


Trabalho dos pares

Disputa dos pares

Aliança dos pares

Mapa dos pares


Revelação dos pares

Mistério dos pares

Segredo dos pares

Atalho dos pares


Pares


6. Dicionário


Dicionário

Me consulta quando quer

Se preocupa quando tem dúvida

Te irrita quando não responde


Dicionário

Me ignora quando sai

Se interessa quando tem trabalho

Te aflige quando não confirma


Dicionário


Me rotula

Qual calhamaço que ocupa lugar

Qual objeto que ficou defasado

Um trambolho que pretende descartar


Me atura

Qual artefato que está esquecido

Qual idioma que está desusado

Uma cultura que pretende enterrar


Dicionário


Outros meios mais modernos

O papel se tornou obsoleto?

Se não respondo seus anseios

Devo sofrer o ostracismo?


Outros rumos mais rentáveis

O saber se tornou excesso?

Se não endosso seus protestos

Devo aceitar a decadência?


Dicionário


Ser útil ao sistema econômico é o fim?

A história se resume aos resultados?

Devemos ignorar os povos passados?

A identidade será apenas lembrança?


Ser fiel ao modelo social é importante?

A escolha se almoda aos proventos?

Devemos valorar os talentos?

A diferença será apenas vergonha?


Dicionário


7. Anseio por terminar


Anseio por terminar

De escrever um livro

De apreciar um livro

De conceber um livro


Anseio por terminar

De apoiar uma ideia

De receber uma ideia

De reformar uma ideia


Anseio por terminar


Anseio por terminar

De prosseguir uma amizade

De contestar uma amizade

De decifrar uma amizade


Anseio por terminar

De esperar uma escolha

De rebater uma escolha

De dirigir uma escolha


Anseio por terminar


Começar algo pensando em terminar

Um mal que carrego na existência

Não sei se é desapego, pressa

Sei que sigo nesse estado


Começar algo pensando em terminar

Uma questão que vejo na rotina

Não sei se é hábito, gosto

Sei que padeço nessa trilha


Anseio por terminar


Mal de quem valora?

Mal de quem diferi?

Mal de quem cindi?

Mal de quem nota?

O término impõe lutas?


Mal de quem convida?

Mal de quem resumi?

Mal de quem previni?

Mal de quem vacila?

O término permite fugas?


Anseio por terminar


8. Leio, releio


Leio, releio

Escrevo, reescrevo

A interpretação tem fundamentos


Leio, releio

Evoco, reevoco

A reminiscência tem complementos


Leio, releio


Leio, releio

Muitas vezes releio

A mesma frase

O mesmo parágrafo


Leio, releio

Muitas vezes releio

O mesmo ser

A mesma conduta


Leio, releio

Quando o detalhe foi ignorado?

Quando o enredo foi encurtado?

Quando a música foi apoiada?

Quando a cena foi simplificada?


Quando a moda foi estagnada?

Quando a fome foi recusada?

Quando o diálogo foi tolerado?

Quando o sentido foi evitado?


Leio, releio


Não bastam nomes distintos

A capa dominante, realçada

A vertente convencional

Há também outras estruturas


Não bastam leituras conhecidas

Os vieses restritivos, aprovados

A teoria dominante, fomentada

Há também outras ligações


Leio, releio


Ler é ato que requer

Requer algo que não conhecemos

Algo que surgirá nas leituras


Ler é ato que entrega

Entrega algo que já sabemos

Algo que ampliará nas leituras


Leio, releio


Os fatos adquirem mais valor

As noções ganham potências


As fases pedem mais ensejo

Os conflitos largam certezas


Leio, releio


9. Gana pela vida


Fazer esforço?

Perdoar tropeços?

O que devo fazer para manter?

Manter a gana pela vida


Fazer sonhos?

Implorar recurso?

O que devo fazer para aceitar

Aceitar a gana pela vida


Gana pela vida


A batalha lacrada

Escolhida dos juízos alheios

Conhecida apenas pelo espírito

Aborrecida com os atalhos inventados


A batalha omitida

Informada dos limites alheios

Amparada apenas pela mente

Chateada com os méritos renovados


Gana pela vida


Vida, como é pesado manter a gana

Os problemas dispersam detalhes

Detalhes que eu preciso analisar

Mas como analisar na era da rapidez?


Vida, como é usual perder a gana

Os interesses confinam direções

Direções que eu prefiro ignorar

Mas como ignorar na era da novidade?


Gana pela vida


Fórmulas existem

A gana pela vida tem bajuladores

Apoiadores de antiga visão otimista

Que não sucubem ao estrondo dos rumores


Enganos existem

A gana pela vida tem zombadores

Apoiadores de antiga visão pessimista

Que não suportam ao sossego dos clamores


Gana pela vida


10. Tecer o passado


Nos momentos de ócio teço o passado

Imagino o que as pessoas sentiram


Nas lacunas da história teço o passado

Escrevo o que as pessoas disseram


Nas feridas do grupo teço o passado

Desenho o que as pessoas temiam


Nas risadas de sorte teço o passado

Projeto o que as pessoas sofreram


Teço o passado


O tecido do passado é tênue

Vira conforme o peso que impacta


O tecido do passado é oculto

Mostra conforme a praça que escava


O tecido do passado é precioso

Brilha conforme o prisma que examina


O tecido do passado é disputado

Some conforme o gosto que ordena


Tecer o passado


Passado, preserve seu tecido!

Ele está destroçado


Passado, oriente seu tecido!

Ele está enganado


Passado, estime seu tecido!

Ele está ofendido


Passado, reforçe seu tecido!

Ele está dividido


Tecer o passado


A roupa admirada

A tenda esquecida


O lençol tingido

O filtro aquecido


A rede balançada

A cortina exaurida


O adorno contido

O tapete recebido


Tecer o passado


11. Rotina


Não tenho rotina

A desejo no dia a dia

Porém, vem algo em surdina

E abala a organização


Não cultivo rotina

A desejo no cara a cara

Porém, vem algo em temporal

E derruba a plantação


Rotina


Leituras que começo e não termino

Versos que projeto e não executo

Roupas que lavo e não reparo

Notícias que escuto e não penso


Músicas que admiro e não digo

Afetos que pergunto e não entendo

Opções que procuro e não decido

Batalhas que avanço e não venço


Rotina


Destino, acaso que desata a certeza

Problema, solução que reduz a surpresa

Rotina, castigo que limita a beleza


Lógica, imperícia que mergulha o navio

Desapego, simpatia que aprova o feitio

Rotina, benção que amplia o desafio


Rotina


Rotina que tento mudar, embora cansado

Quase derrubo a meta do equilíbrio perfeito

Ajeito as sobras do que foi confrontado


Rotina que tento aceitar, embora inquieto

Quase lanço o fim do preceito repetido

Bagunço as fibras do que está secreto


Rotina


Teste de uma nova lista de roteiros

Há vigores e formas de adiantar


Teste de uma antiga fonte de tarefas

Há molezas e formas de protelar


Rotina


Apoio, se a rotina for produtiva

Percebida por interesseira economia


Repúdio, se a rotina for esquecida

Julgada por rotineira convenção


Rotina


12. Desconfiado


A ação não concluída

O segredo escavado

A tristeza consentida

O pavor não expulsado


A agonia não refletida

O interesse aumentado

A fronteira redigida

O plano não confirmado


Desconfiado


Desconfio 

Ruídos nas afirmações

Frases evitadas

Presenças insistidas


Desconfio

Silêncios nas recordações

Emoções pausadas

Cautelas derretidas


Desconfiado


A desconfiança entranhada

O riso satisfeito na barriga

A camada de enganos

O brilho simultâneo a quantia

Exemplos de garantias prometidas


A desconfiança externada

O passo exitoso na fadiga

A dureza de espantos

O hiato posterior a ideia

Exemplos de respostas contorcidas


Desconfiado


Desconfie

O laço é repisado na competição

A letra é confundida no alvoroço


Desconfie

A labuta é conduzida no devaneio

O pedido é fincado na serventia


Desconfiado


13. Porta para enlouquecer


A porta para enlouquecer

Essa eu fecho quase totalmente

Muitos antes de me recolher

Antes até de acordar


A porta para enlouquecer

Essa eu vigio quase totalmente

Muito antes de me arrepender

Antes até de inventar


Porta para enlouquecer


Tenho fixação nessa porta

Essa porta guarda minha sanidade

O histórico genealógico pode voltar

O preparo é melhor que o desatino


Tenho medo dessa porta

Essa porta guarda meu equílibrio

A obra poética pode refutar

A pequisa é melhor que o improviso


Porta para enlouquecer


Loucura não é a sina do poeta?

A loucura traz o resultado do torneio?

Quero combater! Quero enganar!

Consigo contornar a porta?


Loucura não é a paga do escritor?

A loucura traz o efeito do gracejo?

Quero escapar! Quero resolver!

Consigo atravessar a porta?


Porta para enlouquecer


Perguntem a porta!

O mistério da loucura 

A escolha da falência

Convoquem o inventário


Ignorem a porta!

O descaso da loucura

A entrega do interesse

Rechaçem a herança


Porta para enlouquecer


14. Eu, Catálogo


Depósito de informações ancestrais, atuais

Sumário de imperfeições pessoais, grupais

Arquivo de peças cultuadas, apagadas


Crônica de assuntos cordiais, bélicos

Resumo de fatos aprovados, rebatidos

Fichário de documentos relevantes, triviais


Eu, Catálogo


Me dizem: Você é inteligente

Eu penso: Não, apenas sei muitas coisas

Vantagem ou prejuízo


Me pergunto: Saber algo acrescenta?

Eu respondo: Sim, segundo o objetivo

Obstáculo ou possibilidade


Eu, Catálogo


Catálogo que se transforma

Catálogo vivo que impressiona

Catálogo que questiona a parte oficial


Catálogo que se dedica

Catálogo eterno que passeia

Catálogo que manifesta outras partes


Eu, Catálogo


Ata de reuniões criativas, repressoras

Ofício de ordens diretas, introspectivas

Bilhete de conselhos úteis, confusos


Prova de questões objetivas, subjetivas

Carta de notícias escondidas, reveladas

Dedicatória de livros misteriosos, famosos


Eu, Catálogo


Me dizem: Você pergunta muito

Eu penso: Sim, tenho muitas dúvidas

Suporte ou reprimenda


Me pergunto: Desconhecer algo pertuba?

Eu respondo: Não, segundo a pessoa

Artimanha ou correção


Eu, Catálogo


Catálogo que se interessa

Catálogo diverso que ambiciona

Catálogo que escolhe o enfoque crítico


Catálogo que se espalha

Catálogo orientado que convida

Catálogo que permite outros enfoques


Eu, Catálogo


Revista de artigos repetidos, raros

Fábula de deveres esperados, rejeitados

Cardápio de pratos conhecidos, inventados


Panfleto de lojas simples, suntuosas

Contrato de cláusulas reais, duvidosas

Declaração de dívidas forçadas, escolhidas


Eu, Catálogo


Eu, Catálogo

Eu, Catálogo

Eu, Catálogo


15. Otimizar


Otimização de tempo

Milhares de segundos

Otimização de tempo

Fontes de absurdos


Otimização da faxina

Milhares de poeiras

Otimização da faxina

Subidas de ladeiras


Otimizar


Otimização do afeto

Milhares de cuidados

Otimização do afeto

Testes de telhados


Otimização do íntimo

Milhares de problemas

Otimização do íntimo

Críticas de sistemas


Otimizar


"Não perca o tempo"

"O ócio é perigoso"

Se me recolho ao sepulcro

Vingará o meu esforço?


"Não perca o tempo"

"A ideia é perigosa"

Se me dedico ao costume

Pegará a minha revolta?


Otimizar


"Ganhe dinheiro"

"A arte não é rentosa"

Se me amarro ao tesouro

Criará a minha obra?


"Ganhe dinheiro"

"O raro não é rentoso"

Se me regulo ao formato

Verterá o meu arrojo?


Otimizar


Otimize

Sonho é extrato?


Otimize

Poema é sustento?


Otimizar


Otimize

Música é imóvel?


Otimize

Filosofia é serviço?


Otimizar


16. Outros lados


Ser um só, apenas chato

Não me convence

Quero outros lados


Ser um livro, apenas calmo

Não me enlaça

Faço outros lados


Outros lados


18 livros, apenas traço

Não me exprime

Levo outros lados


5 anos, apenas átimo

Não me defende

Ganho outros lados


Outro lados


Não acreditei que teria tantos lados

Lados que eu não fomentava

Lados já abandonados


Não acreditei que diria tantos lados

Lados que eu não planejava

Lados já resignados


Outros lados


Não acreditei que olharia outros lados

Lados que não concordava

Lados já apreciados


Não acreditei que juntaria outro lados

Lados que não amparava

Lados já fragmentados


Outros lados


A ruptura e a continuidade dos lados

O descanso e o confronto dos lados

A justiça e a maldade dos lados

O estrago e o remendo dos lados


Outros lados


Lados! Expliquem!

Lados! Outros lados!


Lados! Venham!

Lados! Outros lados!


Outros lados


É proibida a reprodução desta obra sem a devida citação/menção do autor.


Todos os direitos reservados.

No vazio (da passagem) - As lacunas de Felipe Prasino (2025). Obs:. 17° livro de Felipe Prasino.

Cor: Índigo


Símbolo matemático: conjunto vazio


Temas: Vazio, falta, subjetividade, espera, mergulho, cotidiano, exagero, esvaziamento, direitos, experiência, cumprimento, direção, afastamento, reorganização, preenchimento, passagem


Data aproximada de escrita: janeiro, fevereiro e março de 2025


1. Ninguém me preencheu


Nunca tive ninguém

Ninguém nunca me teve

Eu quis impor um porém

A recusa não me deteve


Nunca olhei ninguém

Ninguém nunca me olhou

Eu quis ficar mais aquém

O alarme não me agradou


Nunca acudi ninguém

Ninguém nunca me acudiu

Eu quis pensar um além

A penúria não me iludiu


Nunca motivei ninguém

Ninguém nunca me motivou

Eu quis juntar mais vintém

O colapso não me alarmou


Ninguém me preencheu


Esperei

Que respondessem tudo que me movimentou

Desejei

Que acolhessem tudo que me acompanhou


Convoquei

Que repensassem tudo que me transformou

Provoquei

Que recolhessem tudo que me descontrolou


Ninguém me preencheu


A ciência, a religião

A união, a consciência

Não me preencheram


A arte, a natureza

A paz, a filosofia

Não me preencheram


Ninguém me preencheu


A falta de algo, a sexualidade

A sensação da completude

Não me preencheram


A evolução, a solitude

A noção da transitoriedade

Não me preencheram


Ninguém me preencheu


2. Subjetivo


Vivo na minha cabeça

Não ajo com muito viço

Duvido do que me oferecem

Não moldo os atos do mundo


Vivo na minha cabeça

Não ajo com muito relevo

Desvio do que me enviam

Não dito os medos da vida


Subjetivo


Dentro de mim, vivo

O eu interior me provoca

Fora de mim, aguento

O eu exterior me incomoda


Dentro de mim, creio

O eu introvertido me salva

Fora de mim, observo

O eu extrovertido me roga


Subjetivo


Divirto-me por dentro

Espero-me por fora

O problema é o equilíbrio

A resposta me impacta


Refaço-me por dentro

Situo-me por fora

O sentimento é o balanço

A loucura me questiona


Subjetivo


Dentro dos meus escritos, detalho

O passado me acompanha

Fora dos meus gritos, estaco

O presente me impressiona


Dentro das minhas ideias, transcedo

A amizade me aconselha

Fora das minhas traqueias, murcho

A inimizade me entristece


Subjetivo


A palavra me atravessa

A teoria me vincula

Subjetivo


A ação me revela

A prática me pertuba

Subjetivo


3. Esperar


Esperar

Que o poema chegue

Que a ideia se apresente


Esperar

Que a voz questione

Que a pausa se complete


Esperar

Que a guerra desmorone

Que a bagunça se propague


Esperar

Que o desprezo rotule

Que a ignorância se louve


Esperar


Esperar por pessoas que não poderei

alcançar

Esperar por distinções que não poderei alterar


Esperar por direitos que não poderei conservar

Esperar por provocações que não poderei evitar


Esperar


Não consigo bater de frente com o mundo

Ele é mais poderoso, mais apoiado

Sou um mero corpo esquecido


Não consigo encarar de frente a maldade

Ela é mais ardilosa, mais valorizada

Sou um mero ser recolhido


Esperar


Um dia algo se assentará

Não posso move-lo

Não poderei regula-lo


Um dia algo se mostrará

Não posso conte-lo

Não poderei irrita-lo


Esperar


4. Águas que mergulho


Não quero performar gênero

Não quero reforçar nada

Tentar me enquadrar foi fatal

Quase me levou ao esgotamento


Não quero perpetuar crítica

Não quero incomodar nada

Tentar me destacar foi banal

Quase me levou ao esquecimento


Eu e as minhas divagações

Eu e as minhas travessias

Repeli as observações

Codifiquei as entrelinhas


Eu e os meus devaneios

Eu e os meus redemoinhos

Lapidei os isolamentos

Relançei os problemas


Águas que mergulho


Entro em piscinas, mares, oceanos

Lacunas, narrativas, conexões


Me esqueço em derrotas, lidas, partidas

Alegrias, pausas, focos


Me ensaio em procuras, luzes, caminhadas

Subidas, arquivos, rascunhos


Saio de disputas, poderes, avarezas

Faltas, confusões, apegos


Águas que mergulho


Mergulho onde?

No que está saturado?

No que dá polêmica? 


Mergulho onde?

No que não foi explorado?

No que não teve repercussão?


Onde estão essas águas?

No meu inconsciente?

No meu cérebro?


Onde estão essas águas?

Nas minhas células?

Na minha alma?


Águas que mergulho


5. O vazio no cotidiano


Filho da inconstância

Filho da preocupação

Aluno da desconfiança

Aliado da demolição


Filho da escassez

Filho da composição

Aluno da sensatez

Aliado da revelação


Tempo vazio

Templo vazio

Remo vazio


Centro vazio

Cetro vazio

Vento vazio


O vazio no cotidiano


Filho da doença

Filho da alienação

Aluno da desavença

Aliado da provocação


Filho da paciência

Filho da superação

Aluno da experiência 

Aliado da discussão


Ódio vazio

Dito vazio

Medo vazio


Afeto vazio

Esteio vazio

Voto vazio


O vazio no cotidiano


O vazio no cotidiano

A recusa sem pensamento

O discurso conquistando

A lamúria sem momento


O vazio no cotiano

A ajuda sem fundamento

O engodo convocando

A miséria sem aposento


Vazios existem

Temos condições, opiniões

Isso isenta a existência do vazio?


Vazios existem

Temos julgamentos, movimentos

Isso isenta a permanência do vazio?


O vazio no cotidiano tende a se camuflar

Tende a se enganar ainda mais


O vazio no cotidiano


6. Tempestades (Exageros de um poeta)


Mudo em pontos que não mudava

Tentei combater um princípio

Lembro de pontos que não lembrava

Voltei a proteger um ofício


Provo as palavras que não provava

Falhei em arquitetar um martírio

Olho por palavras que não olhava

Cheguei a despertar um delírio


Exageros

Tempestades de um poeta


Uns se soltando

Outros se fechando

Eu no meio da tempestade

Será que ficarei boiando?


Uns se arruinando

Outros se revelando

Eu no meio do cataclisma

Sera que dormirei gritando?


Exageros

Tempestades de um poeta


Mentiras adoradas

Sensos esquecidos

Violências camufladas

Contrastes escolhidos


Instruções afastadas

Prazos descumpridos

Atenções espalhadas

Motivos suprimidos


Exageros

Tempestades de um poeta


Não aturam as diversidades

Acreditam na limitação

Incentivam a padronização


Não impedem as dificuldades

Ferem na omissão

Escolhem a perpetuação


Exageros

Tempestade de um poeta


7. Esvaziar


Será o desejo vazio?

O apoio inconsequente?

Devo ocultar o feitio?

Como esvaziar o inconsciente?


Será o desastre inevitável?

O apagamento conveniente?

Devo tolerar o improvável?

Como alcançar o transcendente?


Esvaziar


Há mais de cinco anos tento me preencher

Foram muitos poemas, livros, ideias e sonhos


Há mais de alguns meses tento me esvaziar

Foram muitos erros, perdas, acidentes e desilusões


Esvaziar


A obrigação da completude me incomoda

Parece errado estar vazio, com dúvidas

Estar desperto em meio as inundações


A confusão da indiferença me assusta

Parece certo estar alienado, com certezas

Estar contente em meio as futilidades


Esvaziar


Passarei a vida escrevendo?

Conseguirei me estruturar?

Será medo da mentira?

Será hábito de questionar?


Alcançarei a paz comovendo?

Buscarei me atrapalhar?

Será culpa da consciência?

Será vontade de compensar?


Esvaziar


Esvaziar e colocar o que no lugar?

Esvaziar não é tentar se libertar?


Esvaziar


8. Chuva de direitos


Quero chuva

Quero aconhego

Não quero um monte de desprezo


Não quero luta

Não quero medo

Eu quero uma torre de respeito


Quero chuva

Quero telhado

Não quero um prédio sem reparo


Não quero rusga

Não quero estrato

Eu quero uma terra sem conhavo


Chuva de direitos


Cadê a chuva?

Chuva que traz sossego

O incentivo racional


Cadê a chuva?

Chuva que traz emprego

O alimento essencial


Cadê a chuva?

Chuva que traz empatia

O cuidado habitual


Cadê a chuva?

Chuva que traz alegria

O descanso natural


Chuva de direitos


Não irão mais dominar

Enganar, zangar

Venha, chova!


Não irão mais disfarçar

Castigar, quebrar

Venha, chova!


Não irão mais instigar

Segurar, atacar

Venha, chova!


Não irão mais assustar

Humilhar, retirar

Venha, chova!


Venha, chuva de direitos!

Venha, chova!


Chuva de direitos


9. Passar!


Passar!

Já foi o desejo de chorar

Já foi o desejo de parar

Passar!


Passar!

Já foi o desejo de calar

Já foi o desejo de provar

Passar!


Passar!


Passar!

Já foi o desejo de mandar

Já foi o desejo de aprovar

Passar!


Passar!

Já foi o desejo de agradar

Já foi o desejo de brilhar

Passar!


Passar!


Ficar triste, e definhar?

Não! Passar!

Ficar hirto, e esperar?

Não! Passar!


Ficar louco, e atrapalhar?

Não! Passar!

Ficar vazio, e entulhar?

Não! Passar!


Passar!


Um jeito de contestar? Passar!

Um jeito de expressar? Passar!

Um jeito de incomodar? Passar!


Uma chance de embelezar? Passar!

Uma chance de mergulhar? Passar!

Uma chance de aproximar? Passar!


Passar!


Até a tranquilidade prosperar? Passar!

Até a experiência recuperar? Passar!


Passar!


10. Falhei em minha passagem?


Não protegi o espelho

Da flecha, do escudo

Falhei?


Não mascarei a vitrine

Do golpe, da enchente

Falhei?


Não procurei o poder

Da fama, do momento

Falhei?


Não descrevi o barulho

Do medo, do dissabor

Falhei?


Falhei em minha passagem?


Não escrevi o detalhe

Da história, do desejo

Falhei?


Não provoquei a mudança

Da ferida, da companhia

Falhei?


Não costurei a estima

Do olhar, do lembrete

Falhei?


Não recebi a garantia

Do saber, do conteúdo

Falhei?


Falhei em minha passagem?


A passagem é penosa?

Tenho que esvazia-la?

A passagem conforta?

Tenho que adorna-la?


A passagem é interessante?

Tenho que preenche-la?

A passagem constrange?

Tenho que estende-la?


Falhei em minha passagem?


Passagem falha tem qualidade?

Passagem falha tem liberdade?


Falhei em minha passagem?


11. Entender a estrada


Entender a estrada é difícil

A regra não é protegida

O jardim é esquecido

A folha não é definida


Entender a estrada é difícil

A vinha não é dividida

O vento é preterido

A chuva não é recolhida


A estrada no seu costumeiro vazio

A estrada na sua misteriosa incerteza


Entender a estrada


Entender a estrada é fatigante

A palavra é distorcida

O tempo é resumido

A vitória é produzida


Entender a estrada é fatigante

A torcida é repetida

O lugar é atingido

A refeição é decidida


A estrada no seu simpático vazio

A estrada na sua horrível incerteza


Entender a estrada


A estrada que não é ignorante

A estrada que não é conduzida

A estrada que não é acomodada


A estrada que não é mentirosa

A estrada que não é beligerante

A estrada que não é competitiva


Entendam essas estradas


A estrada que não é intolerante

A estrada que não é orgulhosa

A estrada que não é agressiva


A estrada que não é limitante

A estrada que não é avarenta

A estrada que não é maldosa


Entendam essas estradas


12. A permanência da falta


A permanência da falta

A maquiagem do vazio

A frequência da raiva

A roupagem do susto


A permanência da falta

A fragilidade do abrigo

A tendência da briga

A leviandade do preço


A permanência da falta


Consumismo, poder

A falta permanece

Não se importam em aprova-la


Extremismo, mentira

A falta permanece

Não se importam em divulga-la


A permanência da fala

Conservam os erros

Evitam os acertos

"Pra que me dedicar ao todo"?


Provocam os pequenos

Bajulam os grandes

"Pra que me amarrar ao outro"?


A permanência da falta


Repelimos a falta?

Enfrentamos os conceitos?

Acordamos os efeitos?

Requeremos os direitos?


Atraímos a falta?

Prolongamos os defeitos?

Toleramos os confeitos?

Comovemos os eleitos?


A permanência da falta


Jamais refletiu nisso?

Viu? A permanência!


Jamais reparou nisso?

Viu? A permanência!


13. Afastamento


Afastamento

De quem pensei que era parecido a mim

Afastamento

De quem eu provei que era longe de mim


Afastamento

De quem implorei que era certo para mim

Afastamento

De quem eu inventei que gostava de mim


Afastamento


Afastei

De quem não sabe recusar

Afastei

De quem não cabe ensinar


Afastei

De quem não sabe procurar

Afastei

De quem não cabe criticar


Afastamento


Afastando

Quem só sabe difamar

Afastando

Quem só curte atazanar


Afastando

Quem só sabe arruinar

Afastando

Quem só curte controlar


Afastamento


Afastarei

Os mentirosos, arrivistas

Afastarei

Os lamentosos, narcisistas


Afastarei

Os avarentos, convencidos

Afastarei

Os briguentos, distraídos


Afastamento


14. Reorganizar


Reorganizar

As lágrimas

Os livros

Os pedidos


Reorganizar

As faltas

Os temas

Os conflitos


Reorganizar

As escolhas

Os cursos

Os sonhos


Reorganizar

As saudades

Os bilhetes

Os votos


Reorganizar


Sei que ando triste

Preciso confrontar a causa

A lacuna me agride

Gostar demais me piora


Sei que vivo tímido

Preciso resolver o trauma

O abandono me choca

Sentir demais me isola


A organização cura?

A organização revela?


A organização ampara?

A organização distribui?


Reorganizar


Reorganizar além das coisas materiais

O que é pouco intrigante, lucrativo

O que é pouco triunfante, chamativo


Reorganizar além das coisas espirituais

O que é muito deturpado, ignorante

O que é muito espalhado, dominante


Reorganizar além das coisas universais

O que é muito evitado, irritante

O que é muito cercado, mitigante


Reorganizar além das coisas regionais

O que é pouco viajante, inventivo

O que é pouco aspirante, expressivo


Reorganizar o vazio, a passagem

Reorganizar a estima, o vínculo


Reorganizar


15. Preencher


Sabe o que quero

Não quis atender

Sabe que eu zelo

E tento conhecer


Sabe o que detesto

Não quis afastar

Sabe que eu espero

E tento reformar


E faço o que?

Impeço você

Volto a mercê

Querendo me preencher


Diz "nossa amizade"

Não indica meu trabalho

Diz "nossa família"

Não lembra do afeto


Diz "meu amor"

Não descobre meu gosto

Diz "meu modelo"

Não aceita meu defeito


E faz o que?

Tenta correr

Recusa o bufê

Querendo te preencher


Preencher pessoas

Preencher ideias

Preencher ações

Preencher plateias


Preencher terras

Preencher ausências

Preencher séculos

Preencher vivências


Fazemos o que?

Comparo vocês?

Valido o clichê?

Querendo nos preencher


Preencher...

Preencher

Preencher...

Preencher...


16. No vazio (da passagem)


No vazio

(da passagem)

Reuso o que provei


No vazio

(da passagem)

Recuso o que cobrei


No vazio

(da passagem)

Entulho o que mostrei


No vazio

(da passagem)

Debulho o que cessei


No vazio

(da passagem)


No vazio

(da passagem)

Liberei a alma?


No vazio

(da passagem)

Revirei o fato?


No vazio

(da passagem)

Alcancei o povo?


No vazio

(da passagem)

Refundei a arte?


No vazio

(da passagem)


Dívidas reavivadas

Buscas nas fases

Vazio


Decepções esperadas

Risos nas lembranças

Passagem


Escolhas superficiais

Prudências no tempo

Vazio


Trabalhos estressados

Bocejos no tumulto

Passagem


No vazio

(da passagem)


Coragem no vazio, na passagem!

Esperança no vazio, na passagem!


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