sexta-feira, 20 de junho de 2025

No vazio (da passagem) - As lacunas de Felipe Prasino (2025). Obs:. 17° livro de Felipe Prasino.

Cor: Índigo


Símbolo matemático: conjunto vazio


Temas: Vazio, falta, subjetividade, espera, mergulho, cotidiano, exagero, esvaziamento, direitos, experiência, cumprimento, direção, afastamento, reorganização, preenchimento, passagem


Data aproximada de escrita: janeiro, fevereiro e março de 2025


1. Ninguém me preencheu


Nunca tive ninguém

Ninguém nunca me teve

Eu quis impor um porém

A recusa não me deteve


Nunca olhei ninguém

Ninguém nunca me olhou

Eu quis ficar mais aquém

O alarme não me agradou


Nunca acudi ninguém

Ninguém nunca me acudiu

Eu quis pensar um além

A penúria não me iludiu


Nunca motivei ninguém

Ninguém nunca me motivou

Eu quis juntar mais vintém

O colapso não me alarmou


Ninguém me preencheu


Esperei

Que respondessem tudo que me movimentou

Desejei

Que acolhessem tudo que me acompanhou


Convoquei

Que repensassem tudo que me transformou

Provoquei

Que recolhessem tudo que me descontrolou


Ninguém me preencheu


A ciência, a religião

A união, a consciência

Não me preencheram


A arte, a natureza

A paz, a filosofia

Não me preencheram


Ninguém me preencheu


A falta de algo, a sexualidade

A sensação da completude

Não me preencheram


A evolução, a solitude

A noção da transitoriedade

Não me preencheram


Ninguém me preencheu


2. Subjetivo


Vivo na minha cabeça

Não ajo com muito viço

Duvido do que me oferecem

Não moldo os atos do mundo


Vivo na minha cabeça

Não ajo com muito relevo

Desvio do que me enviam

Não dito os medos da vida


Subjetivo


Dentro de mim, vivo

O eu interior me provoca

Fora de mim, aguento

O eu exterior me incomoda


Dentro de mim, creio

O eu introvertido me salva

Fora de mim, observo

O eu extrovertido me roga


Subjetivo


Divirto-me por dentro

Espero-me por fora

O problema é o equilíbrio

A resposta me impacta


Refaço-me por dentro

Situo-me por fora

O sentimento é o balanço

A loucura me questiona


Subjetivo


Dentro dos meus escritos, detalho

O passado me acompanha

Fora dos meus gritos, estaco

O presente me impressiona


Dentro das minhas ideias, transcedo

A amizade me aconselha

Fora das minhas traqueias, murcho

A inimizade me entristece


Subjetivo


A palavra me atravessa

A teoria me vincula

Subjetivo


A ação me revela

A prática me pertuba

Subjetivo


3. Esperar


Esperar

Que o poema chegue

Que a ideia se apresente


Esperar

Que a voz questione

Que a pausa se complete


Esperar

Que a guerra desmorone

Que a bagunça se propague


Esperar

Que o desprezo rotule

Que a ignorância se louve


Esperar


Esperar por pessoas que não poderei

alcançar

Esperar por distinções que não poderei alterar


Esperar por direitos que não poderei conservar

Esperar por provocações que não poderei evitar


Esperar


Não consigo bater de frente com o mundo

Ele é mais poderoso, mais apoiado

Sou um mero corpo esquecido


Não consigo encarar de frente a maldade

Ela é mais ardilosa, mais valorizada

Sou um mero ser recolhido


Esperar


Um dia algo se assentará

Não posso move-lo

Não poderei regula-lo


Um dia algo se mostrará

Não posso conte-lo

Não poderei irrita-lo


Esperar


4. Águas que mergulho


Não quero performar gênero

Não quero reforçar nada

Tentar me enquadrar foi fatal

Quase me levou ao esgotamento


Não quero perpetuar crítica

Não quero incomodar nada

Tentar me destacar foi banal

Quase me levou ao esquecimento


Eu e as minhas divagações

Eu e as minhas travessias

Repeli as observações

Codifiquei as entrelinhas


Eu e os meus devaneios

Eu e os meus redemoinhos

Lapidei os isolamentos

Relançei os problemas


Águas que mergulho


Entro em piscinas, mares, oceanos

Lacunas, narrativas, conexões


Me esqueço em derrotas, lidas, partidas

Alegrias, pausas, focos


Me ensaio em procuras, luzes, caminhadas

Subidas, arquivos, rascunhos


Saio de disputas, poderes, avarezas

Faltas, confusões, apegos


Águas que mergulho


Mergulho onde?

No que está saturado?

No que dá polêmica? 


Mergulho onde?

No que não foi explorado?

No que não teve repercussão?


Onde estão essas águas?

No meu inconsciente?

No meu cérebro?


Onde estão essas águas?

Nas minhas células?

Na minha alma?


Águas que mergulho


5. O vazio no cotidiano


Filho da inconstância

Filho da preocupação

Aluno da desconfiança

Aliado da demolição


Filho da escassez

Filho da composição

Aluno da sensatez

Aliado da revelação


Tempo vazio

Templo vazio

Remo vazio


Centro vazio

Cetro vazio

Vento vazio


O vazio no cotidiano


Filho da doença

Filho da alienação

Aluno da desavença

Aliado da provocação


Filho da paciência

Filho da superação

Aluno da experiência 

Aliado da discussão


Ódio vazio

Dito vazio

Medo vazio


Afeto vazio

Esteio vazio

Voto vazio


O vazio no cotidiano


O vazio no cotidiano

A recusa sem pensamento

O discurso conquistando

A lamúria sem momento


O vazio no cotiano

A ajuda sem fundamento

O engodo convocando

A miséria sem aposento


Vazios existem

Temos condições, opiniões

Isso isenta a existência do vazio?


Vazios existem

Temos julgamentos, movimentos

Isso isenta a permanência do vazio?


O vazio no cotidiano tende a se camuflar

Tende a se enganar ainda mais


O vazio no cotidiano


6. Tempestades (Exageros de um poeta)


Mudo em pontos que não mudava

Tentei combater um princípio

Lembro de pontos que não lembrava

Voltei a proteger um ofício


Provo as palavras que não provava

Falhei em arquitetar um martírio

Olho por palavras que não olhava

Cheguei a despertar um delírio


Exageros

Tempestades de um poeta


Uns se soltando

Outros se fechando

Eu no meio da tempestade

Será que ficarei boiando?


Uns se arruinando

Outros se revelando

Eu no meio do cataclisma

Sera que dormirei gritando?


Exageros

Tempestades de um poeta


Mentiras adoradas

Sensos esquecidos

Violências camufladas

Contrastes escolhidos


Instruções afastadas

Prazos descumpridos

Atenções espalhadas

Motivos suprimidos


Exageros

Tempestades de um poeta


Não aturam as diversidades

Acreditam na limitação

Incentivam a padronização


Não impedem as dificuldades

Ferem na omissão

Escolhem a perpetuação


Exageros

Tempestade de um poeta


7. Esvaziar


Será o desejo vazio?

O apoio inconsequente?

Devo ocultar o feitio?

Como esvaziar o inconsciente?


Será o desastre inevitável?

O apagamento conveniente?

Devo tolerar o improvável?

Como alcançar o transcendente?


Esvaziar


Há mais de cinco anos tento me preencher

Foram muitos poemas, livros, ideias e sonhos


Há mais de alguns meses tento me esvaziar

Foram muitos erros, perdas, acidentes e desilusões


Esvaziar


A obrigação da completude me incomoda

Parece errado estar vazio, com dúvidas

Estar desperto em meio as inundações


A confusão da indiferença me assusta

Parece certo estar alienado, com certezas

Estar contente em meio as futilidades


Esvaziar


Passarei a vida escrevendo?

Conseguirei me estruturar?

Será medo da mentira?

Será hábito de questionar?


Alcançarei a paz comovendo?

Buscarei me atrapalhar?

Será culpa da consciência?

Será vontade de compensar?


Esvaziar


Esvaziar e colocar o que no lugar?

Esvaziar não é tentar se libertar?


Esvaziar


8. Chuva de direitos


Quero chuva

Quero aconhego

Não quero um monte de desprezo


Não quero luta

Não quero medo

Eu quero uma torre de respeito


Quero chuva

Quero telhado

Não quero um prédio sem reparo


Não quero rusga

Não quero estrato

Eu quero uma terra sem conhavo


Chuva de direitos


Cadê a chuva?

Chuva que traz sossego

O incentivo racional


Cadê a chuva?

Chuva que traz emprego

O alimento essencial


Cadê a chuva?

Chuva que traz empatia

O cuidado habitual


Cadê a chuva?

Chuva que traz alegria

O descanso natural


Chuva de direitos


Não irão mais dominar

Enganar, zangar

Venha, chova!


Não irão mais disfarçar

Castigar, quebrar

Venha, chova!


Não irão mais instigar

Segurar, atacar

Venha, chova!


Não irão mais assustar

Humilhar, retirar

Venha, chova!


Venha, chuva de direitos!

Venha, chova!


Chuva de direitos


9. Passar!


Passar!

Já foi o desejo de chorar

Já foi o desejo de parar

Passar!


Passar!

Já foi o desejo de calar

Já foi o desejo de provar

Passar!


Passar!


Passar!

Já foi o desejo de mandar

Já foi o desejo de aprovar

Passar!


Passar!

Já foi o desejo de agradar

Já foi o desejo de brilhar

Passar!


Passar!


Ficar triste, e definhar?

Não! Passar!

Ficar hirto, e esperar?

Não! Passar!


Ficar louco, e atrapalhar?

Não! Passar!

Ficar vazio, e entulhar?

Não! Passar!


Passar!


Um jeito de contestar? Passar!

Um jeito de expressar? Passar!

Um jeito de incomodar? Passar!


Uma chance de embelezar? Passar!

Uma chance de mergulhar? Passar!

Uma chance de aproximar? Passar!


Passar!


Até a tranquilidade prosperar? Passar!

Até a experiência recuperar? Passar!


Passar!


10. Falhei em minha passagem?


Não protegi o espelho

Da flecha, do escudo

Falhei?


Não mascarei a vitrine

Do golpe, da enchente

Falhei?


Não procurei o poder

Da fama, do momento

Falhei?


Não descrevi o barulho

Do medo, do dissabor

Falhei?


Falhei em minha passagem?


Não escrevi o detalhe

Da história, do desejo

Falhei?


Não provoquei a mudança

Da ferida, da companhia

Falhei?


Não costurei a estima

Do olhar, do lembrete

Falhei?


Não recebi a garantia

Do saber, do conteúdo

Falhei?


Falhei em minha passagem?


A passagem é penosa?

Tenho que esvazia-la?

A passagem conforta?

Tenho que adorna-la?


A passagem é interessante?

Tenho que preenche-la?

A passagem constrange?

Tenho que estende-la?


Falhei em minha passagem?


Passagem falha tem qualidade?

Passagem falha tem liberdade?


Falhei em minha passagem?


11. Entender a estrada


Entender a estrada é difícil

A regra não é protegida

O jardim é esquecido

A folha não é definida


Entender a estrada é difícil

A vinha não é dividida

O vento é preterido

A chuva não é recolhida


A estrada no seu costumeiro vazio

A estrada na sua misteriosa incerteza


Entender a estrada


Entender a estrada é fatigante

A palavra é distorcida

O tempo é resumido

A vitória é produzida


Entender a estrada é fatigante

A torcida é repetida

O lugar é atingido

A refeição é decidida


A estrada no seu simpático vazio

A estrada na sua horrível incerteza


Entender a estrada


A estrada que não é ignorante

A estrada que não é conduzida

A estrada que não é acomodada


A estrada que não é mentirosa

A estrada que não é beligerante

A estrada que não é competitiva


Entendam essas estradas


A estrada que não é intolerante

A estrada que não é orgulhosa

A estrada que não é agressiva


A estrada que não é limitante

A estrada que não é avarenta

A estrada que não é maldosa


Entendam essas estradas


12. A permanência da falta


A permanência da falta

A maquiagem do vazio

A frequência da raiva

A roupagem do susto


A permanência da falta

A fragilidade do abrigo

A tendência da briga

A leviandade do preço


A permanência da falta


Consumismo, poder

A falta permanece

Não se importam em aprova-la


Extremismo, mentira

A falta permanece

Não se importam em divulga-la


A permanência da fala

Conservam os erros

Evitam os acertos

"Pra que me dedicar ao todo"?


Provocam os pequenos

Bajulam os grandes

"Pra que me amarrar ao outro"?


A permanência da falta


Repelimos a falta?

Enfrentamos os conceitos?

Acordamos os efeitos?

Requeremos os direitos?


Atraímos a falta?

Prolongamos os defeitos?

Toleramos os confeitos?

Comovemos os eleitos?


A permanência da falta


Jamais refletiu nisso?

Viu? A permanência!


Jamais reparou nisso?

Viu? A permanência!


13. Afastamento


Afastamento

De quem pensei que era parecido a mim

Afastamento

De quem eu provei que era longe de mim


Afastamento

De quem implorei que era certo para mim

Afastamento

De quem eu inventei que gostava de mim


Afastamento


Afastei

De quem não sabe recusar

Afastei

De quem não cabe ensinar


Afastei

De quem não sabe procurar

Afastei

De quem não cabe criticar


Afastamento


Afastando

Quem só sabe difamar

Afastando

Quem só curte atazanar


Afastando

Quem só sabe arruinar

Afastando

Quem só curte controlar


Afastamento


Afastarei

Os mentirosos, arrivistas

Afastarei

Os lamentosos, narcisistas


Afastarei

Os avarentos, convencidos

Afastarei

Os briguentos, distraídos


Afastamento


14. Reorganizar


Reorganizar

As lágrimas

Os livros

Os pedidos


Reorganizar

As faltas

Os temas

Os conflitos


Reorganizar

As escolhas

Os cursos

Os sonhos


Reorganizar

As saudades

Os bilhetes

Os votos


Reorganizar


Sei que ando triste

Preciso confrontar a causa

A lacuna me agride

Gostar demais me piora


Sei que vivo tímido

Preciso resolver o trauma

O abandono me choca

Sentir demais me isola


A organização cura?

A organização revela?


A organização ampara?

A organização distribui?


Reorganizar


Reorganizar além das coisas materiais

O que é pouco intrigante, lucrativo

O que é pouco triunfante, chamativo


Reorganizar além das coisas espirituais

O que é muito deturpado, ignorante

O que é muito espalhado, dominante


Reorganizar além das coisas universais

O que é muito evitado, irritante

O que é muito cercado, mitigante


Reorganizar além das coisas regionais

O que é pouco viajante, inventivo

O que é pouco aspirante, expressivo


Reorganizar o vazio, a passagem

Reorganizar a estima, o vínculo


Reorganizar


15. Preencher


Sabe o que quero

Não quis atender

Sabe que eu zelo

E tento conhecer


Sabe o que detesto

Não quis afastar

Sabe que eu espero

E tento reformar


E faço o que?

Impeço você

Volto a mercê

Querendo me preencher


Diz "nossa amizade"

Não indica meu trabalho

Diz "nossa família"

Não lembra do afeto


Diz "meu amor"

Não descobre meu gosto

Diz "meu modelo"

Não aceita meu defeito


E faz o que?

Tenta correr

Recusa o bufê

Querendo te preencher


Preencher pessoas

Preencher ideias

Preencher ações

Preencher plateias


Preencher terras

Preencher ausências

Preencher séculos

Preencher vivências


Fazemos o que?

Comparo vocês?

Valido o clichê?

Querendo nos preencher


Preencher...

Preencher

Preencher...

Preencher...


16. No vazio (da passagem)


No vazio

(da passagem)

Reuso o que provei


No vazio

(da passagem)

Recuso o que cobrei


No vazio

(da passagem)

Entulho o que mostrei


No vazio

(da passagem)

Debulho o que cessei


No vazio

(da passagem)


No vazio

(da passagem)

Liberei a alma?


No vazio

(da passagem)

Revirei o fato?


No vazio

(da passagem)

Alcancei o povo?


No vazio

(da passagem)

Refundei a arte?


No vazio

(da passagem)


Dívidas reavivadas

Buscas nas fases

Vazio


Decepções esperadas

Risos nas lembranças

Passagem


Escolhas superficiais

Prudências no tempo

Vazio


Trabalhos estressados

Bocejos no tumulto

Passagem


No vazio

(da passagem)


Coragem no vazio, na passagem!

Esperança no vazio, na passagem!


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